terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Conto: O Moço do Saxofone


Livro: Antes do Baile Verde 

Autora: Lygia Fagundes Telles

Editora: Companhia das 
Letras 

ISBN: 9788535914313

Assunto: Contos 


Este conto foi escrito na década de 60 e foi publicado oficialmente no Rio de Janeiro em 1970, como parte da obra do livro Antes do Baile Verde. Dizem que a autora o teria escrito numa noite em que passara num hotel em Águas de São Pedro, interior de São Paulo. A história se passa em uma pensão, onde o narrador e protagonista é um caminhoneiro, que está hospedado neste lugar. 


 Eu era chofer de caminhão e ganhava uma nota alta com um cara que fazia contrabando. Até hoje não entendo direito por que fui parar na pensão da tal madame, uma polaca que quando moça fazia a vida e depois que ficou velha inventou de abrir aquele frege-mosca.”

O caminhoneiro então descreve um pouco da rotina do local, explica a diferença dos pensionistas e dos volantes (hóspedes esporádicos), que era o caso dele. Reclama também da comida e nota-se uma irritação ao dizer que tinham anões hospedados na pensão, além de uma insistente música de saxofone, que toca sempre, “triste como o diabo”. O homem logo fica sabendo que o saxofonista é um pobre coitado que passa o dia enfurnado num quarto, ensaiando, enquanto sua esposa o trai com vários amantes. É possível perceber as diferentes mudanças de temperamento em cada pensamento do caminhoneiro. É um homem sem paciência e irritável.

Fiquei vendo com que cuidado o copeiro começou a empilhar almofadas nas cadeiras para que eles se sentassem. Comida ruim, anão e saxofone. Anão me enche e já tinha resolvido pagar e sumir quando ela apareceu. Veio por detrás, palavra que havia espaço para passar um batalhão, mas ela deu um jeito de esbarrar em mim”.

Ao ver a mulher do saxofonista, repara em sua aparência, seu jeito de andar, o vestido vermelho que usava. Olhando-a comer sozinha em uma mesa, ele questiona a dona da pensão sobre o horário do jantar. Seu interesse na mulher é instantâneo. Ele volta no dia seguinte, no horário indicado, só para vê-la. Enquanto isso bate papo com um hóspede do lugar, que critica a postura do saxofonista, por permitir que a mulher o traia descaradamente. Ela então aparece, acompanhada de um homem de bigode e juntos subiram as escadas. Ele percebe que o saxofone voltou a tocar. A música melancólica, a sua execução insistente e solitária só termina quando o acompanhante da esposa vai embora.

Não resistindo mais, o protagonista marca um encontro com a mulher para o dia seguinte, ás sete. Ela concorda e explica qual quarto é o seu. Entretanto, ao retornar no dia seguinte, acaba entrando no quarto errado e dá de cara com o moço do saxofone, que diz simplesmente que a esposa está no quarto ao lado.  A reação do saxofonista traído incomoda profundamente o caminhoneiro, que resolve questioná-lo sobre o motivo de aguentar tudo aquilo sem fazer nada. 
“Fui recuando de costas. E de repente não aguentei. Se ele tivesse feito qualquer gesto, dito qualquer coisa, eu ainda me segurava, mas aquela bruta calma me fez perder as tramontanas. — E você aceita tudo isso assim quieto? Não reage? Por que não lhe dá uma boa sova, não lhe chuta com mala e tudo no meio da rua? Se fosse comigo, pomba, eu já tinha rachado ela pelo meio! Desculpe-me estar me metendo, mas quer dizer que você não faz nada?”
 “— Eu toco saxofone.”

Parece não interessar ao moço a possível traição da sua companheira. Interessa-lhe somente tocar. Ou, numa outra direção, tocar apesar de qualquer coisa. A música triste e insistente do saxofone, numa voz aparentemente intraduzível, talvez diga tudo.
“Foi quando começou bem devagarinho a música do saxofone. Fiquei broxa na hora, pomba. Desci a escada aos pulos. Na rua, tropecei num dos anões metido num impermeável, desviei de outro, que já vinha vindo atrás e me enfurnei no caminhão. Escuridão e chuva. Quando dei a partida, o saxofone já subia num agudo que não chegava nunca ao fim. Minha vontade de fugir era tamanha que o caminhão saiu meio desembestado, num arranco.”

E assim termina o conto. Lygia sempre dá ao leitor a decisão final da história, então ela pode ter várias interpretações. Cabe a você decidir. 


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