domingo, 5 de fevereiro de 2017

Conto: Felicidade Clandestina

Livro: Felicidade Clandestina 

Autora: Clarice Lispector

Editora: Rocco

ISBN: 85-325-0817-0

Assuntos: Contos, Ficção Nacional


O Livro Felicidade Clandestina foi publicado pela primeira vez em 1971 e reúne 25 contos da escritora brasileira Clarice Lispector. Alguns foram escritos para o Jornal do Brasil, na época em que a escritora colaborava com a publicação. O ponto de partida dos contos são acontecimentos banais, cujas repercussões acionam nas personagens reflexões a respeito da existência. 


O primeiro conto, que dá nome ao livro, traz uma recordação de sua infância no Recife. É a história de uma menina que tem uma colega de classe, cujo pai é dono de uma livraria: 

“Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.”

Todas as outras meninas da sala esperavam ganhar livros de aniversário, o que nunca acontecia. Só ganhavam cartões-postais do próprio Recife, com paisagens mais do que conhecidas por todas. A narradora mesmo implorava para ler os livros da menina. Até que certo dia prometera emprestar o livro As Reinações de Narizinho, que passasse em sua casa no dia seguinte para buscá-lo.

“No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem em meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.”

Eis aqui o conflito de toda a história. Por vários dias a mesma cena se repete, a menina vai até a casa da outra em busca do livro, que nunca está em posse da mesma. E sempre pede que ela retorne no dia seguinte. O clímax acontece quando a mãe da menina e esposa do dono da livraria percebe que algo errado estava acontecendo. Ela então questiona a filha porque aquela garotinha ia todos os dias até a porta de sua casa, sem nunca entrar. E ao ouvir a resposta, calou-se.

“E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife.”

 A mãe então ordena que a filha empreste o livro para a outra imediatamente, e que ela fique com o livro pelo tempo que precisasse. A outra menina então se sente tão feliz, como se o livro fosse dela. Ela havia entendido que teria que devolvê-lo algum dia, e por isso prolongou de todas as formas seu sentimento de felicidade.

“Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo (...). Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim.”

Entendi que o nome do conto se refere ao exato momento em que ela conseguiu o livro. Era algo muito sonhado e esperado, portanto ela manteve a esperança até conseguir seu objetivo. Porque felicidade clandestina? O significado de clandestino é: feito ás escondidas, ilegítimo. Ora, aquele livro não era seu. Ela não tinha condições financeiras de ter aquele livro. E sabia que um dia teria que devolvê-lo. Portanto deu um jeito de aproveitá-lo o máximo que poderia.

“Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”

A famosa frase que encerra esse conto traz então o desejo concretizado. Ela teve sua felicidade, ainda que clandestina quando começou a ler o livro. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário