quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Resenha do livro Tristão e Isolda

Livro: Tristão e Isolda

Autor:Anônimo

ISBN: 9788572326346

Tradutor: Fernandel Abrantes

Páginas:144

Editora: Martin Claret


Coleção: A Obra Prima de cada autor

 A lenda de Tristão e Isolda é da época medieval e tem origem céltica. Trata-se de uma das mais belas histórias de amor já conhecida. As primeiras versões foram escritas no século X. Os trovadores anglo-normandos de língua francesa e a rainha Leonor de Aquitânia contribuíram para a sua difusão na Europa. O texto original foi reconstituído através das versões mais antigas. A história foi incluída nas lendas arturianas (Rei Artur) e voltou a ter grande destaque entre os poetas europeus do século XIX.

O primeiro capítulo do livro traz a infância de Tristão, que era filho de um rei chamado Rivalen. Rivalen era amigo do rei Marcos da Cornualha. A Cornualha era uma terra disputada por muitos e o perigo da guerra era iminente. Em prova da amizade, o Rei Marcos ofereceu a mão de sua irmã, Brancaflor a Rivalen. Eles se casaram e logo Brancaflor ficou grávida. 

Um dos inimigos do Rei Marcos era o Duque Morgan, que passou a atacar cidades e castelos, ameaçando o reino da Cornualha. Rivalen então volta para a guerra e acaba morrendo, sem conhecer seu filho. Brancaflor quase morre também ao saber da perda do marido. Ao filho que nasceu, deu o nome de Tristão, pois este nasceu em meio a tristeza. E ela também falece dias depois.

Tristão passa a ser criado por homens de bem, que pertenciam ao reino de seu pai. Rohald, conhecido por Defensor da Fé, criou Tristão como um filho. Ele cresceu e tornou-se um jovem leal, forte e corajoso. Até que um dia, andando pelas terras, encontrou um caçador. Este matara um cervo, mas estava com dificuldades em cortar a carne. Tristão que era um bom caçador, cortou a carne em pedaços e ajudou a conservá-la. Este caçador era servo do Rei Marcos, ele convida Tristão para ir até o Rei. Tristão ao conhecer o Rei e contar a sua história, descobre que Marcos é seu tio. Passa então a servi-lo e a honrá-lo. Marcos fica encantado com o sobrinho.

Certa vez, a pedido do tio, Tristão viaja até a Irlanda em busca de Isolda, a Loura, para então desposá-la e tornar-se a rainha da Cornualha. A mãe de Isolda era uma mulher conhecedora de ervas e poções. Confiou a acompanhante da filha, uma jovem chamada Brangien, um frasco com uma espécie de poção do amor. Era para Isolda e Marcos tomarem no dia do casamento. Mas durante o caminho, por uma infelicidade (ou felicidade?) do destino, Tristão e a princesa é quem tomam a poção mágica. Imediatamente nasce um sentimento poderoso entre os dois, que desperta um intenso, imediato e eterno amor. 

Isolda se casa com o Rei Marcos, mas ama perdidamente Tristão, que também não consegue ficar longe dela. Grande parte da história é essa luta para esconder o romance impossível entre eles. Muitos invejosos do Reino começam a desconfiar do romance e envenenam a cabeça do Rei Marcos. Este custa a perceber a traição.Até que finalmente são descobertos. Para evitarem a fúria do rei e a morte, Tristão e Isolda fogem, ficando foragidos por um tempo. Até que Tristão resolve voltar e devolver Isolda ao Rei, pedindo clemência por ambos. Marcos que ama muito a esposa e o sobrinho, aceita Isolda novamente mas exila Tristão. Este parte para as terras da Bretanha. Ele até se casa com outra mulher, mas seu coração pertence a Isolda. 

Ao lutar com um inimigo, Tristão é ferido por uma espada envenenada, então adoece. E assim ele quer ver Isolda mais uma vez. Combina então com um vassalo, seu braço direito, que vá até a Cornualha trazer a amada. Pediu que ele fosse em seu barco, e que levasse duas velas, uma branca e outra negra. Se retornasse com Isolda, que içasse a vela branca, caso não tivesse sucesso içasse a vela preta. A esposa de Tristão ouve toda a conversa atrás da porta e fica cega de ciúmes, prometendo se vingar. O vassalo vai até a Cornualha como prometido e consegue convencer Isolda a ver Tristão. Ao chegar ao mar da Bretanha, a esposa mente para o marido, dizendo que o barco está com a vela preta içada. Tristão então acredita que Isolda não veio e morre. Ao ver o amado morto, Isolda também morre, pois ela beija seus lábios envenenados. 

"Mas durante a noite, do túmulo de Tristão desabrochou um espinheiro verde e enfolhado, de fortes ramos, de flores odorantes, que se elevando sobre a capela penetrava no túmulo de Isolda. Sobre a tumba de Tristão e Isolda nascem dois arbustos, cujos galhos entrelaçados, não podem ser separados."



Trata-se de um romance do amor cortês, pois há vários obstáculos e provações durante a história. O principal tema do romance proibido é a problemática da morte. Já que em vida as coisas não podem dar certo por causa da proibição, então a saída, é a concretização deste amor após a morte. Mortos, os personagens Tristão e Isolda são sepultados juntos e segundo a lenda, uma árvore entrelaça os túmulos. É como se fosse uma espécie de metáfora, indicando que o amor deles vencera.

Minha nota:

Curiosidades:

  • Existe uma ópera em três atos chamada Tristan und Isolde, composta entre 1857 e 1859 pelo alemão Richard Wagner. A ópera, que retrata os personagens como heróis românticos, foi baseada na obra de Gottfried von Strassburg (c. 1210) sobre a lenda.

  • O mito chegou cedo ao cinema. Já em 1909 estreou o filme francês mudo Tristan et Yseult. Em 1948, Jean Delannoy dirigiu O Eterno Retorno, uma adaptação do mito aos tempos modernos, com Madeleine Sologne e Jean Marais nos papéis principais. Em 2006 chegou aos cinemas uma nova versão, Tristan & Isolde, produzida por Ridley Scott, estrelada por James Franco e Sophia Myles.


  • O mito de Tristão e Isolda também aparece na coleção "As Crônicas de Artur" do escritor inglês Bernard Cornwell, em seu segundo volume "O Inimigo de Deus". Nesta versão, Tristão, filho de Rei Mark de Kernow, conhece Isolda, filha do Rei Irlandês Oengus Mac Airem, que está prometida ao seu pai, porém ambos se apaixonam, rebelam-se contra o reino, e são posteriormente executados.

  • E, em Brumas de Avalon, a autora Marion Bradley, no quarto livro da série, refere-se a Tristão e Isolda quando Uwaine (enteado de Morgana vai visitá-la em Gales do Norte e lhe fala sobre as notícias do reino e ele fala com certo horror sobre a traição de Isolda ao rei Marc, que é conhecida como a prostituta), e que Tristão (Drustan) teria partido para um exílio na Bretanha. Que por sinal é quando Bédier narra que Tristão foge para Bretanha sofrendo a dor profunda de seu amor e por amizade e lealdade a um companheiro de guerra (que lá conhece, de nome Kaherdin) se casa com a irmã dele, Isolda das Brancas Mãos.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O Mistério do 5 Estrelas - Projeto releitura da Coleção Vaga-Lume

Livro: O Mistério do Cinco Estrelas

Autor: Marcos Rey

Coleção Vaga-Lume

Segmento: Literatura juvenil

Temas: mistério, policial, aventura


Dando continuidade ao projeto releituras da Coleção Vaga-Lume, o livro escolhido desta vez foi o Mistério do Cinco Estrelas. É um dos meus favoritos! 

É a história de Léo, um adolescente de 16 anos que trabalha como bellboy (mensageiro) no luxuoso Emperor Park Hotel. Ele conseguiu o emprego através de Guima, o porteiro, que é um grande amigo da família. Léo é um garoto inteligente e observador, logo faz amizade com vários funcionários e conhece a rotina dos hóspedes permanentes do Hotel.

“ A maioria dos hóspedes do Park parecia ter cinco estrelas estampadas na testa: gente importante, preocupada com telefonemas internacionais, políticos, desportistas e artistas famosos que recebiam jornalistas ou deles fugiam, evitando fotos e entrevistas.”

Um desses hóspedes que moram no hotel é Oto Barcelos, que tem o apelido de Barão. Ele é bem famoso na cidade por ajudar instituições de caridade e realizar obras beneficentes. Ele tem o costume de pedir diariamente para que comprem os jornais. Léo foi o escolhido do dia para realizar a tarefa. É quando ele vê dentro do quarto do Barão um homem no banheiro. De início o que chamou a atenção do garoto foram os traços indígenas deste novo homem; ao retornar com o jornal Léo percebe que tem um corpo embaixo da cama e que o roupão do Barão está sujo de sangue.

Intrigado, ele conta o ocorrido a Guima, que o orienta a ficar calado. Mas o fato não sai da cabeça de Léo. No dia seguinte ele resolve por conta própria procurar o corpo do tal homem. Ele o acha já morto, dentro de um carrinho de limpeza, porém é surpreendido com um golpe de caratê na cabeça e desmaia. Ao acordar, o corpo já havia sumido. Léo então procura o gerente para falar sobre o assassinato, só que ele é acusado de roubo pelo Barão. Sem conseguir provar sua inocência, é demitido.

Passado alguns dias, Léo vai até a Medicina Legal olhar um corpo que foi encontrado. E reconhece como sendo o mesmo homem que vira morto no Hotel. Porém o delegado suspeita de Léo. Determinado a provar que ocorrera um crime e que o responsável por ele é o Barão, o garoto começa a investigar por conta própria.  É quando conhecemos Gino, primo de Léo, rapaz muito inteligente e ótimo jogador de xadrez. É a grande mente detetivesca da história.

Com a ajuda de Gino, eles tentam encontrar provas para incriminar o Barão. A narrativa que é ágil, conta também com situações engraçadas e cheia de perigos. Outro ponto alto da história é o quase romance entre Léo e Ângela, a garota por quem ele é apaixonado. Ângela acredita na inocência de Léo e o ajuda a fugir dos bandidos numa das passagens mais engraçadas do livro. Vocês vão ter que ler para saberem!   

Como foi escrito na década de 80, foi muito engraçado ver os personagens usarem recursos como orelhão telefônico, ou pedir para pessoas irem até a casa das outras para dar um simples recado. Nesta época não existia internet ou celular e isso fez com que os personagens se desdobrassem um pouco mais para alcançar os seus objetivos.

Após muitas partidas de xadrez, perigos e reviravoltas, a polícia começa a acreditar na inocência de Léo e passa a investigar o Barão. Eles descobrem que ele faz parte de uma quadrilha de contrabando de drogas. Suas ações beneméritas são para “despistar” a justiça. O Barão e seus comparsas são enfim capturados e Léo é recontratado como chefe dos mensageiros no Emperor Park Hotel.

Que delícia de releitura! Pretendo ler ainda este ano outra história com esses personagens, que é outro ótimo livro do Marcos Rey, Um cadáver ouve rádio. E vou resenhá-lo também. 💗

Minha nota:

Curiosidades:


  • Edmundo Donato é o verdadeiro nome de marcos Rey, que nasceu em São Paulo no dia 17 de fevereiro de 1925 – São Paulo e faleceu em 1 de abril de 1999. Marcos foi também redator de programas de televisão, adaptou os clássicos A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo em forma de telenovela e o Sítio do Pica pau Amarelo.
  • Os personagens Léo, Gino e Ângela aparecem em outras histórias: O Rapto do Garoto de Ouro, Um cadáver ouve rádio e Um Rosto no Computador.
  • Atualmente a coleção de livros juvenis do Marcos Rey não fazem mais parte da Coleção Vaga-Lume. São publicados agora pela Editora Global. Olha como ficou a capa da última edição do livro:




domingo, 19 de fevereiro de 2017

Conto: Olhos de Cão Azul

Livro: Olhos de Cão Azul

Autor: Gabriel Garcia Marquez

Editora: Record

ISBN: 9788501008619

Tradutor: Remy Gorga Filho

Assunto: Contos


Olhos de cão azul é um livro de contos escrito por Gabriel Garcia Marquez entre 1947 a 1955, cujo tema principal é a morte. O realismo fantástico se faz presente quando você percebe que o sonho virou realidade, os mortos falam ou quando chove sem parar por vários dias. O real e a fantasia se confundem o tempo todo.

Neste conto que dá nome ao livro, um “casal” que conversam sobre a sua relação que só existe enquanto eles dormem. Ou seja, um conhece o outro através do sonho, mas na vida real eles nunca se viram. Durante todo o conto, que se passa em um quarto simples, o diálogo é permeado por uma meia luz, e muitos olhares. E como se olham. Uma mulher cor de cobre e um homem que a vê mesmo com o rosto voltado para a parede.

Confesso que precisei ler este conto mais de uma vez, pois a primeira sensação foi de estranhamento. Não senti a presença da morte propriamente dita. E depois da releitura é que percebi que a morte neste conto está no sentido figurado, pois este casal se desfaz quando acorda. Então é como se eles “morressem”.

O nome olhos de cão azul faz referência aos olhos da mulher, que é de um tom cinzento e brilhante. E esta expressão acaba se tornando um código para o casal, eles sempre dizem “olhos de cão azul” um para o outro.

Então olhou para mim. Pensava que olhava para mim pela primeira vez.(...) Foi então que lembrei o de sempre, quando lhe disse: "Olhos de cão azul". Ela me disse, sem tirar a mão do abajur: "Isso. Já não o esqueceremos nunca". Saiu da órbita suspirando: "Olhos de cão azul. Escrevi isso por todas as partes”. 

O sentido mais aguçado neste sonho é a visão. O corpo da mulher que brilha à luz da vela, as sombras que se projetam em seu rosto quando uma mão passa por cima da chama. O homem está fascinado por aquela mulher etérea, a mulher desespera-se por suas lembranças do que considera seu mundo desperto.  Já o homem, quando acordado, esquece.

Há vários anos nos víamos. Às vezes, quando já estávamos juntos, alguém deixava cair lá fora uma colherinha e acordávamos. Pouco a pouco íamos compreendendo que nossa amizade estava subordinada às coisas, aos acontecimentos mais simples. Nossos encontros terminavam sempre assim, com o cair de uma colherzinha na madrugada”.
O conto termina com o mesmo mistério, beleza e magnetismo do início. É uma espécie de sonho hipnótico, que conta uma história de amor forte, porém não realizado.
"Amanhã vou reconhecer você por isso", disse. "Vou reconhecê-la quando vir na rua uma mulher que escreva nas paredes: 'Olhos de cão azul'". E ela, com um sorriso triste — que já era um sorriso de entrega ao impossível, ao inatingível —, disse: "Não obstante, você não lembrará nada durante o dia". E voltou a pôr as mãos sobre o abajur, com a expressão obscurecida por uma névoa amarga: "Você é o único homem que, ao acordar, não se lembra nada do que sonhou".

P.S: Muitos acham que a mulher do conto é a morte. O que você acha?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Resenha do livro Casa de Pensão

Livro: Casa de Pensão

Autor: Aluísio Azevedo

Páginas: 334

ISBN: 978-85-7232-977-4

Editora: Martin Claret


Este romance de Aluísio Azevedo foi inspirado num fato real, a Questão Capistrano, crime que sensibilizou a cidade do Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes. O livro foi publicado em 1884, seguindo os padrões dos estilos Naturalista e Realista. Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos detalhes de tal modo que a história caminha devagar e monótona. É a necessidade de dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é realidade.

É também uma marca do autor tratar de vários problemas, tais como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais.  Neste livro ele descreve a vida nas pensões “familiares”, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital. Diferente do Romantismo, o Naturalismo enfatiza o lado doentio do ser humano, as perversões dos desejos e o comportamento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem. O jogo de interesses movido pelo dinheiro é o centro das relações entre as personagens desta história.

Amâncio é um rapaz rico, saído do Maranhão para estudar Medicina no Rio de Janeiro. Ele sonha com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e com pouca vontade para estudar. De início Amâncio começa morando na casa do Senhor Campos, amigo de seu Pai. Contra a sua vontade matricula-se na Escola de Medicina. Seu maior desejo era o de começar uma vida livre, para compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai. As extravagâncias de chegar altas horas da noite, faltar às aulas, embebedar-se, não lhe eram permitidas na casa de Campos. Por isso aceita o convite de João Coqueiro, proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua mulher Mme. Brizard para morar em um dos quartos. O que o ingênuo não sabe é que há um jogo sujo de baixos interesses, sobretudo de dinheiro. O maior desejo de Coqueiro é arranjar o casamento de sua irmã Amelinha com o maranhense. Por isso Amâncio é tratado com toda a pompa, já que todos queriam aproveitar o máximo do dinheiro do rapaz. Amélia não se faz de rogada e faz a sua parte no jogo de sedução a Amâncio.

A casa de pensão traz personagens de todas as índoles, com uma promiscuidade generalizada, apesar da falsa moralidade pregada pelo seu dono.  Com a chegada do rico estudante, ele tornou-se irresistível para Lúcia, uma mulher interesseira que vive com o Senhor Pereira na casa de pensão. Após engravidar do primo em segundo grau, este volta para o Rio Grande do Sul e nunca mais retornou. Com a honra arruinada, Lúcia então decide viver com Pereira, já que ele estava sempre na casa dos seus pais. Mas ao cobrar o matrimônio, Pereira revela que já é casado. Lúcia então se diz casada para manter as aparências e seu grande sonho é casar-se com um homem rico. Amâncio é visto como sua grande chance.

Durante toda a narrativa, é perceptível como Amâncio é galante e se enamora das mulheres facilmente. Encanta-se por Dona Hortência, mulher de Campos, tem interesse também em Lúcia e depois de um tempo torna-se amante de Amelinha, irmã de Coqueiro. Este, por outro lado, cada vez mais começa a fazer de Amâncio o pagador de suas contas. A ganância por dinheiro é retratada em vários momentos.

A grande reviravolta se dá quando Amâncio torna a se enamorar por Dona Hortência. Chega-lhe a escrever uma carta apaixonada, declarando seu amor, mas quem descobre a carta é Amelinha, que a esconde e depois a entrega ao irmão. Todos então redobram os “cuidados” com o maranhense, com medo de perderem a grande mina de ouro. O pai de Amâncio morre no Maranhão. Ele pretendia voltar, a pedido da mãe para vê-la e também para administrar os negócios que o pai deixara, logo que terminassem os seus exames de medicina.

Com medo de perder a influência sobre Amâncio, Amelinha exige que eles se casem, mas diante da negativa, o ameaça com a promessa de que vai contar a todos que ele a desgraçou. Amâncio então prepara sua viagem às escondidas, mas no dia do embarque é preso, ao ser acusado de sedutor e de ter tirado a honra de Amelinha. João Coqueiro preparou toda a trama e entregou o caso ao famoso e desonesto advogado Teles de Moura, que forja duas testemunhas contra o rapaz.

Há uma repercussão geral na imprensa sobre o julgamento. A população fica dividida de início, sendo que a maioria dos estudantes se coloca ao lado de Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. Campos fica então arrasado e desiste de ajudar o rapaz, uma vez que este não soube respeitar a casa que o acolheu. O processo judicial dura em torno de três meses e ao final Amâncio é absolvido da acusação e sai vitorioso.

A cidade olhava para o maranhense com curiosidade e admiração. As pessoas lhe jogavam flores, ouviam-se vivas ao estudante, os músicos alemães tocaram a Marselhesa, parecia um carnaval carioca.Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo, a alma envenenada de raiva. Chegaram cartas anônimas com as maiores ofensas. Acuado, pegou, na gaveta, o revólver que era de seu pai e pensou em se matar. Carregou a arma acertou o cano no ouvido, mas não teve coragem. Debaixo de sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter. No dia seguinte, de manhã cedo, saiu apressado e foi ao Hotel Paris, onde sabia que estava o Amâncio. Bateu no quarto onde se encontrava o estudante com uma rapariga. Esta abriu a porta e Coqueiro pode ver Amâncio que dormia tranqüilo, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Se pestanejar, Coqueiro dispara a queima-roupa, vários tiros em Amâncio. Antes de morrer, o estudante leva seu pensamento até a mãe querida, e sua última palavra é chamá-la, antes de morrer.


Coqueiro tenta fugir, mas é agarrado por um policial. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de pessoas ilustres e até políticos é feito. A cidade inteira está abalada e a opinião pública começa a mudar de posição. Ao final, João Coqueiro começa a levar créditos da sociedade, pois tinha lavado a honra da irmã.


Minha Opinião


Eu gosto muito de romances naturalistas e realistas, para mim Aluísio Azevedo é o melhor autor deste movimento literário. Além de escritor, ele é sobretudo um crítico social. Casa de Pensão trouxe personagens inesquecíveis, com suas mazelas, mesquinharias e a ganância por dinheiro. Achei muito interessante também retratar os conflitos humanos tendo como pano de fundo uma habitação coletiva. Assim como a obra O Cortiço, Aluísio mostra como um ambiente degradante e promíscuo pode levar a decadência do ser humano. 

Nota: 💓💓💓💓


Curiosidades


  • O caso Capistrano envolveu dois jovens estudantes da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1876.Antes da tragédia João Capistrano da Cunha e Antônio Alexandre Pereira eram amigos inseparáveis. A mãe de Antônio é dona de uma casa de pensão e aluga um quarto para o amigo do filho. Ele então conhece Júlia, irmã de Antônio, e logo eles começam a namorar. Passado algum tempo, Capistrano violenta a namorada e depois recusa-se a casar, abandonando a Casa de Pensão. É então indiciado pela família da moça e vai a julgamento. Após um longo processo, é absolvido pelo Júri. Inconformado com a desonra da irmã, Antônio mata João Capistrano. Ele vai a júri novamente, só que agora na condição de réu.   Os debates atraem mais gente que no episódio anterior do defloramento. Agora a coisa é outra: as antipatias populares, até ontem contra a família Pereira, transforma-se então em simpatias pelo assassino. O mesmo júri, que absolve o primeiro, absolveu também o segundo. Inocenta-o por unanimidade de votos. E o acusado é carregado em triunfo pelos mesmos colegas, que ovacionaram o morto da véspera.

O Autor


Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo foi um romancista, cronista, diplomata e jornalista brasileiro. Nascido em São Luís (Maranhão), Aluísio viajou para o Rio de Janeiro aos 17 anos a chamado do irmão, o teatrólogo Artur Azevedo. Começou a estudar na Academia Imperial de Belas-Artes e logo passou a colaborar, com caricaturas e poesias, em jornais e revistas.

Trabalhando como jornalista,ia aos locais onde pretendia ambientar seus romances, conversava com as pessoas que inspirariam suas personagens, misturava-se a elas. Procurava assim reproduzir o mais fielmente possível a realidade que retratava. Além disso, desenhista habilidoso, às vezes, desenhava suas personagens em papel cartão, recortava-as e as colocava em ação, num teatro para si mesmo, de modo a visualizar as cenas que iria narrar.


Foi um crítico impiedoso da sociedade brasileira e de suas instituições. Abandonou as tendências românticas em que se formara, para tornar-se o criador do naturalismo no Brasil, influenciado por Eça de Queirós e Émile Zola. Seus temas prediletos, focados na realidade cotidiana, foram o anticlericalismo, a luta contra o preconceito de cor, o adultério, os vícios e a vida do povo humilde.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Conto: O Moço do Saxofone


Livro: Antes do Baile Verde 

Autora: Lygia Fagundes Telles

Editora: Companhia das 
Letras 

ISBN: 9788535914313

Assunto: Contos 


Este conto foi escrito na década de 60 e foi publicado oficialmente no Rio de Janeiro em 1970, como parte da obra do livro Antes do Baile Verde. Dizem que a autora o teria escrito numa noite em que passara num hotel em Águas de São Pedro, interior de São Paulo. A história se passa em uma pensão, onde o narrador e protagonista é um caminhoneiro, que está hospedado neste lugar. 


 Eu era chofer de caminhão e ganhava uma nota alta com um cara que fazia contrabando. Até hoje não entendo direito por que fui parar na pensão da tal madame, uma polaca que quando moça fazia a vida e depois que ficou velha inventou de abrir aquele frege-mosca.”

O caminhoneiro então descreve um pouco da rotina do local, explica a diferença dos pensionistas e dos volantes (hóspedes esporádicos), que era o caso dele. Reclama também da comida e nota-se uma irritação ao dizer que tinham anões hospedados na pensão, além de uma insistente música de saxofone, que toca sempre, “triste como o diabo”. O homem logo fica sabendo que o saxofonista é um pobre coitado que passa o dia enfurnado num quarto, ensaiando, enquanto sua esposa o trai com vários amantes. É possível perceber as diferentes mudanças de temperamento em cada pensamento do caminhoneiro. É um homem sem paciência e irritável.

Fiquei vendo com que cuidado o copeiro começou a empilhar almofadas nas cadeiras para que eles se sentassem. Comida ruim, anão e saxofone. Anão me enche e já tinha resolvido pagar e sumir quando ela apareceu. Veio por detrás, palavra que havia espaço para passar um batalhão, mas ela deu um jeito de esbarrar em mim”.

Ao ver a mulher do saxofonista, repara em sua aparência, seu jeito de andar, o vestido vermelho que usava. Olhando-a comer sozinha em uma mesa, ele questiona a dona da pensão sobre o horário do jantar. Seu interesse na mulher é instantâneo. Ele volta no dia seguinte, no horário indicado, só para vê-la. Enquanto isso bate papo com um hóspede do lugar, que critica a postura do saxofonista, por permitir que a mulher o traia descaradamente. Ela então aparece, acompanhada de um homem de bigode e juntos subiram as escadas. Ele percebe que o saxofone voltou a tocar. A música melancólica, a sua execução insistente e solitária só termina quando o acompanhante da esposa vai embora.

Não resistindo mais, o protagonista marca um encontro com a mulher para o dia seguinte, ás sete. Ela concorda e explica qual quarto é o seu. Entretanto, ao retornar no dia seguinte, acaba entrando no quarto errado e dá de cara com o moço do saxofone, que diz simplesmente que a esposa está no quarto ao lado.  A reação do saxofonista traído incomoda profundamente o caminhoneiro, que resolve questioná-lo sobre o motivo de aguentar tudo aquilo sem fazer nada. 
“Fui recuando de costas. E de repente não aguentei. Se ele tivesse feito qualquer gesto, dito qualquer coisa, eu ainda me segurava, mas aquela bruta calma me fez perder as tramontanas. — E você aceita tudo isso assim quieto? Não reage? Por que não lhe dá uma boa sova, não lhe chuta com mala e tudo no meio da rua? Se fosse comigo, pomba, eu já tinha rachado ela pelo meio! Desculpe-me estar me metendo, mas quer dizer que você não faz nada?”
 “— Eu toco saxofone.”

Parece não interessar ao moço a possível traição da sua companheira. Interessa-lhe somente tocar. Ou, numa outra direção, tocar apesar de qualquer coisa. A música triste e insistente do saxofone, numa voz aparentemente intraduzível, talvez diga tudo.
“Foi quando começou bem devagarinho a música do saxofone. Fiquei broxa na hora, pomba. Desci a escada aos pulos. Na rua, tropecei num dos anões metido num impermeável, desviei de outro, que já vinha vindo atrás e me enfurnei no caminhão. Escuridão e chuva. Quando dei a partida, o saxofone já subia num agudo que não chegava nunca ao fim. Minha vontade de fugir era tamanha que o caminhão saiu meio desembestado, num arranco.”

E assim termina o conto. Lygia sempre dá ao leitor a decisão final da história, então ela pode ter várias interpretações. Cabe a você decidir. 


Frege-mosca: restaurante de má qualidade

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Conto: Miriam

Livro: 20 Contos de Truman Capote

Autor: Truman Capote

Editora: Companhia das Letras

ISBN: 9788535909203

Tradução: Vários tradutores

Assuntos: Contos



Este conto foi o primeiro trabalho publicado de Capote, em junho de 1945. Foi com esta história também que ele conquistou o prêmio “O. Henry”, por melhor conto inédito. Narrado em terceira pessoa, Capote traz a personagem H. T. Miller , uma viúva solitária que mal fala com seus vizinhos.



“Os demais moradores do prédio nunca pareciam perceber a presença dela: suas roupas eram comuns, o cabelo era cinza escuro, preso e com ondulações naturais; ela não usava cosméticos, suas feições eram simples e discretas e no último aniversário fizera sessenta e um anos.”

Um dia, ao ver o anúncio de um novo filme que estreara no cinema, a Sra. Miller resolve sair para comprar o ingresso do tal filme. Durante quase todo o conto está nevando na cidade, o que dá uma certa melancolia a história. Enquanto aguardava na fila para comprar o bilhete, ela encontra a garotinha Miriam pela primeira vez.
“Tinha o cabelo mais comprido e mais estranho que já vira, totalmente branco prata, como de um albino. Descia até a cintura em fios lisos e soltos. Era magra e de físico frágil. Havia uma elegância simples, especial no seu jeito de se postar, com os polegares metidos nos bolsos de um casaco bem justo de veludo cor de ameixa.”

A Sra. Miller sente-se estranhamente confusa e ligada à garota e surpreende-se ao saber que elas possuem o mesmo nome. Após verem o filme, elas se despedem uma da outra. Passado alguns dias, Miriam aparece tarde da noite na casa da Sra. Miller. E é aí que a vida dessa senhora sai completamente do eixo. Ela percebe o quanto Miriam é estranha e ao mesmo tempo familiar.

“Gosto do tapete, azul é minha cor favorita.” Tocou numa rosa de papel num vaso sobre a mesinha de café. “Imitação” comentou desanimada. “Que triste. As imitações não são tristes?”

Em certos momentos da história, Miriam chega a ser assustadora e cruel:

O canário começou a cantar; cantar como cantava de manhã e em nenhuma outra hora. “Miriam”, ela chamou. “Miriam, eu falei para não perturbar o Tommy.” Não houve resposta. Chamou de novo; só ouviu o canário. Levou a comida numa bandeja, que pôs em cima da mesinha de café. Primeiro viu que a gaiola continuava coberta com a capa. E Tommy cantava. Teve uma sensação esquisita. E não havia ninguém na sala.”

“(...) seguiu direto para a mesinha de café, agarrou o vaso que continha as rosas de papel,  levou-o  até  o  local  onde  a superfície do chão estava vazia e arremessou-o para baixo. Vidros espalharam-se para todos os lados, e ela pisoteou o buquê. Depois, lentamente, caminhou até a porta, mas, antes de fechá-la, olhou para trás na direção da Sra. Miller com uma curiosidade marotamente ingênua”.


O que essa garota é da Sra. Miller? Porque só ela a vê? O que está acontecendo de errado? Este conto pode ter várias interpretações. Dá para perceber que existe uma duplicidade nas personagens, que em alguns momentos uma parece ser o reflexo da outra (mais nova) ou que Miriam é um fantasma funesto que aparece para assombrar a Sra. Miller. Difícil saber. Achei o conto pavoroso (de arrepiar mesmo) e ele é fantástico. Merece ser lido.











segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A Ilha Perdida - Projeto: Releitura da Coleção Vaga-Lume

Livro: A Ilha Perdida

Autora: Maria José Dupré

Editora: Ática


Coleção: Vaga-Lume


Segmento: Literatura juvenil

ISBN: 9788508173457

Edição: 41

Ano Edição: 2015

N° de Páginas: 152

Temas: ecologia, aventura


A Ilha Perdida foi o primeiro livro da Coleção Vaga-Lume que eu li. Foi publicado inicialmente em 1944 e em 1973 passou a integrar a Coleção, que foi lançada no mesmo ano. A história é sobre Henrique e Eduardo, dois irmãos adolescentes que vão passar as férias na Fazenda do Padrinho em Taubaté.O rio Paraíba passa pelas terras desta fazenda, e ao subir o morro mais alto, é possível enxergar uma ilha, bem no meio do rio.Ela sempre despertou a curiosidade dos garotos, que a apelidaram de Ilha Perdida. 
" Solitária e verdejante, parecia mesmo perdida entre as águas volumosas."

Os garotos especulavam se alguém poderia morar na ilha. Sonhavam em visitá-la e perguntavam aos primos e empregados da casa se alguém já tinha ido até lá. Eram muito curiosos, se achavam valentes e destemidos, queriam ter a aventura de ir até lá. Passado alguns dias, encontraram uma canoa abandonada. Planejaram então em segredo arrumá-la e deixá-la pronta para seguirem viagem até a Ilha Perdida.


O livro toma um rumo diferente, quando Henrique e Eduardo conseguem chegar até a ilha, porém logo se perdem. Os perigos decorrem da imprudência das crianças, que desobedecendo às orientações dos adultos, deparam-se com situações complicadas. Para piorar, Henrique se perde de Eduardo e é encontrado por Simão, o misterioso morador da Ilha Perdida. 

" De repente percebeu uma sombra que se aproximava (...) quando viu um homem desconhecido diante dele; tinha barbas compridas, cabelo pelos ombros, estava quase nu."

A partir daí ficamos conhecendo Simão, um homem que abandonou a civilização para viver na Natureza, em meio aos animais.  De início, a relação de Simão com Henrique é pautada na desconfiança. Encontramos um homem ríspido, que sugere que no seu passado teve experiências negativas, vividas na cidade:

" Olhe menino. Já vivi entre homens e sei que eles juram falso. Muitas vezes fui enganado por eles, agora não me enganam mais. Não creio em sua palavra."

A partir da convivência entre ambos, uma amizade começa a surgir. Simão vivia rodeado por animais e Henrique se encantou pela sua vida. Uma das cenas que mais gostei foi quando Henrique acompanhou uma audiência de macacos, na qual um grupo estava sendo julgado por roubarem frutas. É hilário! 

Simão era antes de tudo, um homem sincero e honesto.Após a tentativa de fuga de Henrique, ele conversa com o garoto e decide que já é hora de voltar para o seu irmão Eduardo. Ele já havia percebido sua tristeza e do quanto ele sentia falta do irmão. Combinaram então que mesmo se Henrique falasse algo sobre ele, estava certo de que ninguém o levaria a sério. Henrique então se despede e reencontra Eduardo.

Após construírem uma jangada, os meninos tentam a travessia do rio para voltarem para casa. São encontrados então pela equipe de busca da Fazenda do Padrinho. Estavam salvos, finalmente.

Tudo acontecera como Simão havia previsto. Ninguém acreditava nas histórias de Henrique. Nem mesmo Eduardo. Todos achavam que o garoto alucinara todos esses dias por causa do calor e da fome. Os adultos chegaram a organizar uma expedição até a Ilha para ver se encontravam o tal morador misterioso, mas nenhum sinal de Simão. Henrique compreendera que ele jamais se deixaria encontrar, pois ele jamais voltaria a civilização. Simão pertencia a Ilha Perdida.


“ Henrique ficou olhando para aquele ponto onde parecera ver um braço se agitando durante algum tempo, enquanto coçava a cabeça de Pipoca; depois levantou também o braço num gesto de adeus e gritou bem alto, apesar de saber que Simão não poderia ouvir: - Até um dia Simão!”

Que saudades eu estava desse livro! 💓 A Ilha Perdida traz como lição a importância de sermos respeitosos com a natureza e os animais. É um ótimo livro e pode ser indicado até hoje, pois possui uma linguagem clara e objetiva, além de trazer uma mensagem positiva e educativa em sua conclusão. 

Minha nota: ➇






domingo, 5 de fevereiro de 2017

Conto: Felicidade Clandestina

Livro: Felicidade Clandestina 

Autora: Clarice Lispector

Editora: Rocco

ISBN: 85-325-0817-0

Assuntos: Contos, Ficção Nacional


O Livro Felicidade Clandestina foi publicado pela primeira vez em 1971 e reúne 25 contos da escritora brasileira Clarice Lispector. Alguns foram escritos para o Jornal do Brasil, na época em que a escritora colaborava com a publicação. O ponto de partida dos contos são acontecimentos banais, cujas repercussões acionam nas personagens reflexões a respeito da existência. 


O primeiro conto, que dá nome ao livro, traz uma recordação de sua infância no Recife. É a história de uma menina que tem uma colega de classe, cujo pai é dono de uma livraria: 

“Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.”

Todas as outras meninas da sala esperavam ganhar livros de aniversário, o que nunca acontecia. Só ganhavam cartões-postais do próprio Recife, com paisagens mais do que conhecidas por todas. A narradora mesmo implorava para ler os livros da menina. Até que certo dia prometera emprestar o livro As Reinações de Narizinho, que passasse em sua casa no dia seguinte para buscá-lo.

“No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem em meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.”

Eis aqui o conflito de toda a história. Por vários dias a mesma cena se repete, a menina vai até a casa da outra em busca do livro, que nunca está em posse da mesma. E sempre pede que ela retorne no dia seguinte. O clímax acontece quando a mãe da menina e esposa do dono da livraria percebe que algo errado estava acontecendo. Ela então questiona a filha porque aquela garotinha ia todos os dias até a porta de sua casa, sem nunca entrar. E ao ouvir a resposta, calou-se.

“E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife.”

 A mãe então ordena que a filha empreste o livro para a outra imediatamente, e que ela fique com o livro pelo tempo que precisasse. A outra menina então se sente tão feliz, como se o livro fosse dela. Ela havia entendido que teria que devolvê-lo algum dia, e por isso prolongou de todas as formas seu sentimento de felicidade.

“Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo (...). Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim.”

Entendi que o nome do conto se refere ao exato momento em que ela conseguiu o livro. Era algo muito sonhado e esperado, portanto ela manteve a esperança até conseguir seu objetivo. Porque felicidade clandestina? O significado de clandestino é: feito ás escondidas, ilegítimo. Ora, aquele livro não era seu. Ela não tinha condições financeiras de ter aquele livro. E sabia que um dia teria que devolvê-lo. Portanto deu um jeito de aproveitá-lo o máximo que poderia.

“Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”

A famosa frase que encerra esse conto traz então o desejo concretizado. Ela teve sua felicidade, ainda que clandestina quando começou a ler o livro.